quantidade de glóbulos
vermelhos, conseguindo com isso, carregar oxigênio acima
do normal.
Em minhas viagens, presenciei
pessoas fortes como um touro caírem de quatro, vítimas do
soroche. Outras, aparentemente fracas e magras, caminhavam e até
corriam acima de 5000 metros sem o menor problema! A força física
parece não ser determinante sobre seus efeitos. A melhor garantia
para não ser pego de surpresa, é subir gradativamente as montanhas,
evitando movimentos bruscos. Atenção especial para quando
estiver agachado! Levante-se com calma. Nunca de uma só vez. Desta
forma estará se precavendo contra tonturas e desmaios.
Vários cronistas
falam dos efeitos do soroche e da utilização da coca. O padre
José de Acosta (História Natural e Moral das Indias),
nas décadas posteriores à conquista, deixou-nos um interessante
relato sobre os efeitos do Mal dos Andes. Ele escreveu, baseado em experiência
própria, o seguinte texto: "Ora, muita gente sustenta que
o soroche não passa de fábula, há quem afirme tratar-se
de simples exagero, mas eu lhes direi o que foi que me aconteceu. Há
no Peru, uma cadeia muito alta de montanhas, que os peruanos denominam Pariacaca.
Eu fui lá para cima, como eles dizem, quando se vai para a região
mais elevada da serrania. Ali, fui subtamente acometido de uma tão
mortal angústia, que tive anseios de me lançar do cavalo ao
chão, vime tomado de tamanha ânsia de vômito, e de tanto
vômito, que pensei que acabaria pondo para fora a minha alma, porque,
depois que o alimento subiu, juntamente com a fleuma, apareceu a bile, e
mais bile, esta amarela e a outra vermelha, até que, logo a seguir
cuspi sangue... finalmente, declaro que, se eu tivesse prosseguido, indo
mais para diante, acredito que teria, com toda certeza, morrido. Este soroche
ocorreu porque o ar era tão fino e tão penetrante, que ia
pelos intestinos a dentro..."
Há muito tempo,
a coca é utilizada para combater tal problema. Segundo alguns, para
se precaver deste mal, basta mascar algumas folhas com uma massa chamada
llipta, que tem o poder de fazer reagir o princípio ativo
da folha, liberando a droga. Dizem que um dos ingredientes da llipta
é cinza calcárea, mas embora tenha perguntado a muitos aymaras,
nenhum soube me precisar do que é feita. Crença ou não,
teria adiante, em minha própria viagem, a oportunidade de experimentar
a llipta e tirar conclusões.
O uso da coca é
rotineiro. Por este motivo, foi associada à lendas e registrada por
viajantes. Em muitas comunidades, a folha é quase uma substituta
para o dinheiro. Com ela se paga favores e até mesmo trabalho. É
símbolo de cordialidade e bem querer. Quando um estrangeiro resolve
contratar um grupo de trabalhadores aymaras, ao final do contrato, é
de bom tamanho que ofereça uma quantidade de folhas de coca e álcool
ao grupo, como estímulo e sinal de que o acordo será cumprido.
Muitas lendas nos remetem à origem desta planta, com uma série
de variantes, conforme a região e a cultura a que pertencem.
Certa vez, um grupo de
indígenas havia ultrapassado os cumes mais elevados da Cordilheira
Real, seguindo a região conhecida como Yungas. Nela, decidiram limpar
os terrenos para plantação, ateando fogo. Assim fizeram, levantando
uma enorme coluna de fumaça que sujou os cumes do Illampu e do Illimani.
Os homens não haviam feito aquilo por maldade, mas acabaram irritando
o deus Khuno, que tinha seu reino estabelecido nas neves eternas. Sua fúria
foi imediata, lançando sobre a região dos Yungas uma tempestade
como nunca haviam visto. Muitos homens morreram, enquanto outros, abrigados
em cavernas, viam as terras serem completamente destruída por vendavais
e chuvas torrenciais. As casas e lavouras foram devastadas. Abriram-se enormes
erosões, e todos os caminhos foram inundados, aprisionando os homens
na região. Quando finalmente a tempestade passou, os que sobraram
saíram temerosos de suas cavernas deparando-se com um mundo arruinado.
Quanto trabalho desperdiçado! Isolados e desesperados, foram atingidos
pela fome. Comiam o que ainda havia sobrado. Uma das poucas plantas que
restava em meio ao caos, era um pequeno arbusto de folhas verde brilhante.
Apanharam um punhado delas e imediatamente começaram a mastigar.
Para surpresa geral, uma maravilhosa sensação de bem estar
surgiu! Mais do que isso! A fome havia passado e sentiam-se fortes novamente
para escaparem dos Yungas. Em poucos dias, estavam de volta ao seu povoado,
onde entregaram as folhas milagrosas aos sábios locais. Assim, os
aymaras conheceram a coca. |