Observatório
celeste do Amapá A etnoastronomia nas culturas amazônicas |
Entrevista por Dalton Delfini Maziero
Fotos Gilvan Nascimento/SECOM-AP |
Em
entrevista exclusiva, os arqueólogos Mariana Petry Cabral e João
Darcy de Moura Saldanha revelam uma das mais significativas descobertas
dos antigos habitantes da região amazônica: a existência
de um observatório celeste pré-colombiano em Calçoene,
no Amapá, formado por um conjunto de 127 rochas dispostas em forma
circular. |
As ruínas do observatório, como se encontram hoje. |
1 – Qual a importância da descoberta deste
observatório celeste para a história pré-cabralina
brasileira? Esta é a prova definitiva do avanço social de
nossos antigos habitantes? Este sítio tem grande potencial para contribuir com discussões que já vêm sendo levantadas, em especial na arqueo-logia amazônica, sobre o desenvolvimento das sociedades indígenas no período pré-colonial. Mas ele não é uma prova definitiva, até porque as pesquisas estão |
recém começando. Nós sabemos que entre os atuais povos indígenas no Brasil o saber astronômico é bastante difundido, havendo inclusive muitas pesquisas na área da etnoastronomia. Não é nenhuma novidade atribuir este tipo de saber a estes povos. O que é novidade com este sítio arqueológico é a construção de uma estrutura onde a observação é concretizada, onde o fenômeno deixa de ser um momento efêmero, pois a estrutura tem durabilidade. Mesmo quando o fenômeno não está acontecendo (e ele acontece uma vez ao ano), é possível olhar para este bloco de rocha específico e saber qual a inclinação do sol durante o solstício de Dezembro, pois o bloco está alinhado com esse momento. Além disso, o conjunto completo da estrutura é bastante impressionante. Nos chamou a atenção a pouca espessura dos blocos em relação a suas larguras e comprimentos, indicando o conhecimento de técnicas cuidadosas para a extração dos blocos dos afloramentos naturais. E, claro, há outros indícios relacionados que nos fazem pensar na emergência de sociedades complexas na área, como cerâmicas elaboradas, enterramentos humanos elaborados, e sítios arqueológicos com mais de 1km de extensão.
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2 – Vocês
acreditam que a construção deste monumento esteja associada
à superação de uma antiga sociedade, passando de
caçadores-coletores para um estágio organizacional mais
avançado? Povos caçadores poderiam ser, ao mesmo tempo,
observadores celestes?
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3 – Como e quando ocorreu
a descoberta deste sítio arqueológico? É interessante ressaltar que o local já é conhecido pela comunidade do entorno há muito tempo, há inclusive relatos que descrevem algumas das pedras tombadas quando ainda estavam de pé. Mas, como alguns moradores dizem, eles não davam importância às pedras. Em 2001, nós sabemos que pesquisadores do Estado passaram por lá, e até tiraram fotos, mas também não deram outros encaminha-mentos. Então, no final do ano passado, |
Vista aérea do observatório, junto do Igarapé Rego Grande. |
pesquisadores do IEPA (Instituto
de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá)
e técnicos da Secretaria de Indústria, Comércio e
Mineração, enquanto faziam outros trabalhos na área,
decidiram visitar a estrutura (que já era conhecida por um membro
dessa equipe). Entre eles, estavam o meteorologista José Elias
da Silva e o botânico Benedito Rabelo, ambos do Centro de Ordenamento
Territorial do IEPA. O Elias teve a sensibilidade de observar em um dos
blocos um possível alinhamento com a inclinação máxima
do sol ao sul, o solstício de Dezembro. E o Benedito, hoje Diretor-Presidente
do IEPA, despertado pela beleza e pela conservação da estrutura,
além desta possibilidade de uso astronômico levantada por
Elias, decidiu encaminhar um relatório ao Governo do Estado pedindo
o desenvolvimento de pesquisas e a proteção da área.
Foi só a partir deste momento que nós, Mariana e João,
fomos chamados, justamente por sermos arqueólogos da instituição.
A partir daí, foi realizada uma expedição para observarmos
o solstício de Dezembro, quando pudemos comprovar que a inclinação
do bloco de rocha estava perfeitamente alinhada com a inclinação
máxima do sol ao sul, deixando sua face sul iluminada, único
momento no ano em que isto ocorre. Foi realmente surpreendente. Com esta
visita, fizemos também o registro oficial do sítio no Cadastro
Nacional de Sítio Arqueológicos do IPHAN (Instituto do Patrimônio
Histórico
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4 – Fiquei impressionado
com a quantidade de pedras dispostas ordenadamente neste sítio
arqueológico... são mais de 120 rochas talhadas, não?
De que forma elas estão dispostas no solo? Existem indícios
de construções ao redor deste monumento, residências
ou espaços sagrados?
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5 – Recentemente,
visitei um observatório celeste da cultura Muísca, na Colômbia.
Como este, existem vários espalhados pela Cordilheira dos Andes.
A construção destes monumentos era bastante comum entre
os povos pré-colombianos da América do Sul. Ao meu ver,
esta descoberta no Amapá reforça a idéia de um intercâmbio
entre os povos da Cordilheira e da floresta Amazônica. O que pensam
sobre isso? Ou devemos pensar este observatório como uma iniciativa
autônoma de nossos índios?
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Detalhe visto através da rocha com furo. |
6 – O pesquisador Roland Stevenson vem desenvolvendo pesquisas em torno do mito do El Dorado na região do Amazonas. Segundo suas teorias, existia uma via de acesso que ligava a Cordilheira ao lendário lago Parime. Como arqueólogos, o que pensam desta teoria? Existem provas científicas da existência de uma estrada pré-colombiana no Amazonas, ou mesmo de outras construções, como a descoberta no Amapá? |
Acreditamos que muitas pesquisas
ainda necessitam ser feitas para afirmar a existência de uma via
de acesso ligando os Andes com as Guianas. O que existiu sim, e isto é
confirmado por fontes etno-históricas e etnológicas, foi
uma ampla rede de articulação entre os diferentes grupos
que habitaram a bacia amazônica, rede esta que envolvia não
só a troca de bens, mas também rituais e guerras.
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7 – Fico indignado
em como os achados arqueológicos são tratados no Brasil.
Recentemente, foram descobertos geoglifos fantásticos em Rondônia
e no Acre. Contudo, parece que nenhum esforço sério foi
feito para estudar e divulgar tão importante descoberta. Tudo caiu
no esquecimento. Qual o problema com as descobertas brasileiras? Será
que nossos sítios arqueológicos carecem de um trabalho sério
de marketing, para serem respeitados? Quais os planos futuros do IEPA
(Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado
do Amapá) com relação a este observatório
celeste? Ele será restaurado e aberto para visitação? |
Esta entrevista foi respondida conjuntamente pelos dois arqueólogos que coordenam a pesquisa arqueológica no sítio em Calçoene: Mariana Petry Cabral e João Darcy de Moura Saldanha, do IEPA - Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá, em 18 de Maio de 2006. |